Pedro Cavalheiro na Arte Graça
DUAS PALAVRAS AO PÚBLICO DA MINHA FOLHA ACERCA DA MINHA
EXPOSIÇÃO
Querem saber o que é que é uma
verdadeira conspiração dos reis magos? Pois é assim: não vou para aqui pôr-me a
explicar o que é têm sido uma quantidade de peripécias mirabolantes e inimagináveis
mais ao género daquela série bastante famosa, americana, chamada o
“Sobrenatural” do que outra coisa que uma pessoa possa preferir. Quem me
conhece melhor ou me terá ouvido ou não e eu não vou incomodar ninguém a
repetir nada do que já possa ter dito. Nada preciso de provar, mirabulante foi
tudo o que aconteceu. Quem teve a iniciativa desta exposição foi o Rodrigo,
para quem não o conhece Rodrigo Bettencourt da Câmara é um rapaz que eu conheci
quando tinha doze anos e era e ainda é irmão de um amigo meu que andava nesse
tempo na escola preparatória Francisco Arruda, um ano mais velho do que eu, de
modo que a primeira vez que o vi era ele um garotinho de um ano de idade. Para
que se saiba Rodrigo Bettencourt da Câmara profissionalizou-se em restauro depois
de frequentar o curso do museu de arte antiga leccionado pelo professor Lagoa
Henriques que foi também nosso professor nas belas artes, digo nosso porque
também foi dos Homeostéticos, do José Eduardo Rocha, da Maria João Saraiva, e
de mais uma quantidade de gente, e depois, já com muita experiência
profissional, foi fazer o curso das belas artes e chegou a desempenhar o papel
de professor da cadeira de restauro que recentemente deixou. Foi portanto este
rapaz que fez com que esta exposição acontecesse, em que quis que eu
participasse com outro rapaz chamado Carlos Gaspar que tinha feito uma pequena
quantidade de aguarelas de grande formato executadas em jardins. Rodrigo
mostrou-me essas aguarelas pela primeira vez através do telemóvel, é claro, não
as pude apreciar bem, ao mesmo tempo que o ouvia queixar-se da desconsideração
que esses trabalhos tinham merecido quando Rodrigo as fez ver a determinados
membros do elenco dos actuais mestres das belas artes agora promovida a
universidade. Não sei se este meu amigo também lhas mostrou pelo telemóvel, o
rapazinho tem também muita coisa de mirabulante, como aliás todos os seus
outros dez ou onze irmãos e irmãs, e não se espere que outra coisa possa ser
gente de quem eu sou amigo há tanto tempo e isto sem que nunca uma zanga fosse
irreconciliável, nem tendo afinal havido nenhuma, a não ser com o tal que foi
meu colega de escola talvez, mas isso porque crescemos com práticas diárias de
luta greco romana quando éramos garotos, até nos tornarmos adultos. Depois
chegou a mostrar-me as ditas aguarelas abrindo a porta traseira da carrinha, de
noite, aqui na avenida, á luz dos candeeiros. O que lhe respondi na altura foi
que os tempos em que vivemos são assim e algumas coisas lhe hei-de ter
explicado por causa da reacção lá dos colegas dele profs das belas artes, tudo
gente mais velha do que ele e até que eu alguns, e bem conheço a actitude,
tantas vezes sarcástica, normalmente elitista, não poucas vezes alegre, daquela
gente que tem ali que cumprir um dever educativo, e sabemos também que, se já na
modernidade, quanto mais na pós modernidade, ao antigo preconceito um outro
preconceito diametralmente antagónico se sobrepôs e que a coisa está sempre cingida
ou a uma realidade ou a uma intenção que é forçada a cumprir-se quanto mais não
seja para que essa mesma nova realidade se forme. Quando montámos a exposição,
pude então ver às claras o que eram os trabalhos de Carlos Gaspar e era verdade
que era preciso cuidado, por poder aquilo apresentado duma forma qualquer parecer
um convencionalismo deveras antiquado, próximo ainda do exercício escolar, e assim,
metendo rédeas à disposição daquelas peças, penso que consegui mostrar que era
possível provar, se não o contrário, pelo menos que era possível vencer esse
perigo. Mas o que foi verdadeiramente mirabolante vem agora: nessa mesma noite,
deixando a minha parte da exposição completamente disposta, ao querer
adormecer, diabólica inquietação tomou conta de mim. Quando Rodrigo me falou da
sala que havia disse-me que eram duas salas, domina mal a eloquência este
excelente rapaz, pelo que me contou imaginei-a maior. Os meus trabalhos, se bem
que de formatos pequenos, eram mais de cinquenta, nem todos tinham podido ser
emoldurados ainda, os que estavam tinham sido aprontados por ele, se com algum
critério não tinha sido por mim, falar tínhamos falado insuficientemente. Como
a coisa ia, agora sim, arriscava-se a caír nesse convencionalismo, escrevi-lhe
uma folha a explicar. Rodrigo não a percebeu bem, respondeu-me que a exposição
tinha que ser feita, não havia tempo de voltar atrás. Escrevi-lhe outra, mais
detalhada, percebeu, combinou e veio cá para encontrarmos uma solução. Quando o
vi, um tanto ansioso, à procura de qualquer coisa no meu espólio, compreendi. O
que o rapaz procurava era ulisipografia, como era o acervo que tínhamos retirado,
disse-lhe que não ia encontrar o que queria. Só então é que me respondeu, tinha
dito aos edis que era sobre Lisboa o projecto que primeiro tínhamos aprovado,
ia ser complicado aparecer agora com uma coisa diferente, percebi. Sendo assim
íamos fazer uma coisa com o que eu tinha aqui de mais antigo, tudo coisas do
tempo em que eu era estudante das belas artes, assim era possível montar
qualquer coisa de ulisipográfico bastante precioso, já antigo, de 1981 a 1985 e
assim foi. Rodrigo partiu para o ARCO, a coisa ficava práticamente pronta,
Carlos Gaspar mandava-me o cartaz com o título para eu o divulgar pela
Internet. Rodrigo tinha-me dito qual era, perguntava-me se eu aprovava, “Se num
jardim não sei quê não sei que mais…”não sei quê não sei que mais? isso aprovo de certeza, respondi-lhe. Não
houve condições, nem tempo para nos lembrarmos de falar mais no assunto, não
queiram compreender este fenómeno sebastianista dos manos Câmara, ó pátria, ó
civilização. E é aqui que entra a conspiração dos reis magos: Carlos Gaspar,
sem que Rodrigo me tivesse deixado qualquer número de telemóvel, que eu lhe
pedi, enviou-me o cartaz pela net, que imediatamente divulguei. Só que na folha
dizia um recado que era mudado o dia para sexta feira. Acreditei, isto é um
episódio autenticamente à Aleister Crowley como vão ver: não obstante
desconfiei, deixei uma mensagem no telemóvel do Rodrigo entretanto já em
Madrid. Respondeu-me, que não, que era na quinta feira. Na manhã seguinte
tentei falar com a junta de freguesia, claro está, de manhã ninguém respondia,
era muito cedo, havia dois números na lista telefónica, eu próprio estava com
sono, só vi um, depois ouvia-se um fax. Da parte da tarde atenderam-me,
deram-me toda uma sequência de outros números até que consegui falar com um
responsável. Que não, que a exposição era já, ás seis. Confirmar, encontrar o
Carlos Gaspar, já era tardíssimo quando o sonso, telefona ele próprio, a
explicar-se. De caminho corri à biblioteca para desmentir a alteração. Quando
cheguei à exposição estava lá uma única pessoa de todos os meus convidados, nem
tinha visto o desmentido. Mais, apareceram só duas das minhas irmãs e dois
sobrinhos. Vejam bem se este episódio não é como o do desaparecimento de Aleister
Crowley, 666, na Boca do Inferno no tempo do Fernando Pessoa…